A CARTA
Minha querida filha Mary:
Até agora, renunciei em escrever a respeito da operação cirúrgica que enfrentei em setembro, com a expectativa de que você estaria conosco logo. Mas como isso não foi possível; então, prossigo dando um relato circunstancial daqueles dias.
No final de junho, seu pai voltou para Kailua, deixando-me em Honolulu (Havaí), na família do Sr. Taylor, sob os cuidados do Dr. Ford. O Dr. Hillebrand foi chamado para auxiliar. No final de agosto, depois de muito me examinar, eles decidiram usar a faca. O tum0r estava se alterando rapidamente.
Quase se aproximou da superfície da pele, exibindo uma mancha escura. Se virar uma úlcera aberta, todo o sistema ficará viciado com sua malignidade. No sábado a tarde, os médicos se reuniram em consulta e aconselharam uma operação imediata.
A próxima quinta-feira (12 de setembro de 1855), dez horas da manhã, foi a data marcada. Os dois médicos me aconselharam a não inalar clorofórmio por causa de minha paralisia. A casa [local da cirurgia] estava bem limpa e bem equipada. Havia duas salas decoradas, uma de branco e a outra de mosquiteiro rosa.
Havia uma cadeira chinesa reclinável, uma mesa para os instrumentos, um lavatório com tigelas, esponjas e baldes de água. Havia duas dúzias de toalhas e uma mesa com estimulantes e restauradores escolhidos pelos médicos. Mais uma mesa com a Bíblia e o livro de hinos.
Na noite anterior preferi ficar sozinha pela primeira vez. Na madrugada silenciosa, andei muito dentro do quarto, de um lado para o outro até que fui dormir. Na manhã seguinte acordei em paz comigo mesma e me vesti para a ocasião.
CHEGOU A HORA
Ao chegar ao quarto da cirurgia, Dr. Ford estava lá. Ele me apresentou ao Dr. Hoffman, de Honolulu, e ao Dr. Brayton, médico de um navio da Marinha americana. Os instrumentos foram colocados sobre a mesa. Agulhas enfiadas para costurar a ferida.
Os esparadrapos foram cortados em tiras, as bandagens produzidas e a cadeira chinesa colocada por eles na porta dupla da frente. Agora tudo estava pronto, mas ainda faltava um médico. A ansiedade tomava conta de todos na casa. Dr. Hillebrand chegou. Foi o sinal, a operação iria começar.
Sua irmã [Persis] e eu ficamos atrás de uma cortina. Tirei o roupão e apareci com uma saia esvoaçante branca, com um xale jogado sobre os ombros. Eu sentei na cadeira. Sua irmã estava ao meu lado direito.
O Dr. Hillebrand ficou ao meu lado esquerdo para me segurar, caso fosse necessário; meu xale foi retirado, exibindo meu braço esquerdo e o peito perfeitamente nu. O Dr. Ford me disse que era para eu segurar meu braço esquerdo o máximo possível, com minha mão segurando firme o braço da minha cadeira: com minha mão direita, segurei o braço direito da cadeira, os meus pés eu pressionava contra o pé da cadeira.
Assim instruído e tudo pronto. O Dr. Ford olhou-me bem no rosto e com grande firmeza perguntou:
— “Já decidiu mandar cortar?”
Eu repondi:
— “Sim, senhor.”
Ele perguntou:
— “Você está pronta agora?”
E eu respondi novamente:
— “Sim, senhor; mas diga-me quando vai começar, para que eu seja capaz de suportar. Você está com sua f@ca na mão agora? Ele abriu a mão para que eu pudesse ver a faca e disse:
— “Vou começar agora”.
Então veio um corte longo e profundo, primeiro de um lado do meu seio, depois do outro. Uma doença profunda tinha se apoderado de mim. O segundo corte foi seguido por um desmaio. Fui despertada. Meus sofrimentos não eram mais locais. Havia uma sensação geral de agonia em todo o meu corpo. Senti, cada centímetro de mim, como se a carne estivesse falhando.
GUERREIRA
Durante a maior parte da operação, fui capaz de ter total autocontrole sobre minha pessoa e sobre minha voz. Sua irmã devotadamente me sustentou, banhando minhas têmporas com amônia. Eu mesmo pretendia ter visto tudo. Mas, pelo que me lembro, cada vislumbre que tive por acaso era a mão direita do médico completamente coberta de sangue, até o punho. Foi quase uma hora e meia que estive sob sua mão, cortando todo o seio, cortando as glândulas debaixo do braço, “amarrando as artérias”, absorvendo o sangue, costurando a ferida, colocando os emplastros e na aplicação da bandagem.
O médico, depois de retirar toda a mama, disse-me:
—“Quero cortar ainda mais, debaixo do braço”.
Eu respondi:
— “Faça exatamente o que você quer fazer, diga-me apenas quando, para que eu possa suportar.” Dr. Hillebrand disse que a ferida parecia ter mais de trinta centímetros de comprimento. Onze artérias foram retiradas. Depois que o médico começou a costurar, sua irmã disse:
— “Mãe, o médico faz a costura mais bonita que você vai ver na sua vida”.
Eu respondi:
“Diga-me, Persis, quando ele vai colocar a agulha, para que eu aguente.”
Foram feitos vinte pontos, duas punções em cada ponto, uma de cada lado. Quando todo o trabalho foi concluído, o Dr. Ford e Persis removeram minha cadeira para o fundo da sala e me deitaram na sala. O Dr. Brayton veio ao meu lado e, pegando-me pela mão, disse:
— “Não há ninguém em mil que suportaria como você”.
A RECUPERAÇÃO
Daquela tarde e noite, só me lembro que a dor na ferida foi intensa e ininterrupta. Disseram-me que o Dr. Ford me visitou uma vez à tarde e uma vez à noite, mas não me recordo. Sua irmã cuidou de mim, parecia que eu sofria quase tanto quanto durante a operação. Meu ferimento estava constantemente sendo molhado com água fria. Perguntei a Persis:
— “Eles me mantiveram bem drogada com paregóricos”.
Ela respondeu:
—“Não demos a você uma gota”.
Então perguntei:
—“Por que então não me lembro o que aconteceu?”
E sua irmã respondeu:
— “Porque você tinha tão pouca vida sobre você.”
Os cirurgiões estavam apreensivos com a cicatrização da ferida. Por vários dias, o sofrimento me acompanhou. Dr. Ford deixou recomendações expressas para me darem canja de galinha, ele tinham medo de febre. Durante dias minha debilidade foi tão grande, que fui alimentada com uma colher de chá, como um bebê. Quatro semanas após a operação, melhorei perceptivelmente dia a dia. E aqui está novamente sua mãe, envolvida nos deveres da vida e na guerra da vida. Lucy Thurston viveu por mais 21 anos.
HISTÓRICO
O relato de Lucy é histórico porque a mastectomia total no século XIX era evitada ao máximo, a maioria das pacientes que se submetiam a cirurgia [era a última esperança] morriam por perda de sangue, choque ou infecção no pós-operatório.
O que são Paregóricos? Remédio fabricado a partir da papoula, no século XIX era muito usado como analgésico.
Bibliografia
FITZHARRIS, Lindsay. The Butchering Art.
Imagem: Ilustração de uma mastectomia total que está no livro Gentlefolk of Leeds Afflicted with Disease.
Respostas de 2
Por que o Prof. Jorge Pachoal não tem foto?
Como confiar nessa matéria?
Olá, Sandra. Tudo bem?
Todas as publicações do Prof. Jorge são baseadas em referências bibliográficas, as quais são apresentadas ao final de cada post. Quanto à foto do Professor, sei que ele não gosta muito de aparecer, mas vou falar com ele.
Abraço,
Equipe H.H