No entanto, seus designs limpos, modernos e cinéticos, que trouxeram um visual high-society para tecidos pouco vistos, revolucionaram a moda feminina e até hoje mantêm seu nome sinônimo das mais gloriosas noções de gosto e élan franceses.
Explorar as complexidades contraditórias dessa mulher, ao mesmo tempo tão horrível e tão talentosa, é fascinante e esclarecedor. Afinal, a vida de Chanel oferece um tesouro de material suculento.
Chanel era um gênio criativo, sua própria apresentação, habilmente polida, talvez fosse o maior triunfo de sua mente brilhantemente inventiva.
INÍCIO
Ela nasceu em 1883 em um hospício para os pobres no Vale do Loire (França), de pais solteiros de origem camponesa e, após a morte de sua mãe, foi colocada aos 12 anos em um convento-orfanato para ser criada por freiras católicas romanas.
Isso a deixou com um medo ao longo da vida de perder tudo. O ponto é bem capturado por Hal Vaughan em seu livro “Dormindo com o Inimigo”, que a cita como tendo dito: “Desde minha mais tenra infância tenho certeza de que eles tiraram tudo de mim, que estou morta”.
TRABALHO
Ela começou a trabalhar como costureira aos 20 anos e adotou o nome Coco de uma música, “Qui qu’a vu Coco”, de Audrey Tautou, que ela gostava de cantar em um bar barulhento, frequentado por oficiais de cavalaria.
Um ex-oficial, o rico Étienne Balsan, instalou-a em seu castelo, ensinou-a a se comportar com alto estilo e deu-lhe as habilidades necessárias para subir na sociedade.
Balsan também a apresentou a Arthur (Boy) Capel, um amigo que logo se tornou o primeiro grande amor de Chanel e que também, convenientemente, a instalou em um apartamento em Paris e a ajudou a iniciar seu primeiro empreendimento, projetando chapéus femininos elegantemente simples.
Não demorou muito para que Chanel tomasse a Era do Jazz Paris de assalto, libertando as mulheres de seus espartilhos, vestindo-as em jersey e longos colares de pérolas e encharcando-as com o perfume da modernidade, o Chanel No. 5.
Ela festejou com Igor Stravinsky e Pablo Picasso, desenhou figurinos para os Ballets Russes de Serge Diaghilev e se divertiu com a aristocracia russa. À medida que sua fortuna pessoal aumentava, ela voltou sua atenção para fazer incursões sérias na alta sociedade britânica, fazendo amizade com Winston Churchill e o Príncipe de Gales e se tornando, principalmente, a amante do Duque de Westminster, Hugh Richard Arthur Grosvenor (conhecido como Bendor), supostamente o homem mais rico da Inglaterra.
O antissemitismo de Bendor – e de Chanel – era vociferante e bem documentado; as sensibilidades pró-nazistas do duque de Windsor e de muitos em seu círculo também foram notadas há muito tempo. Tudo isso, ao que parece, tornou a sociedade da elite britânica particularmente atraente para a Chanel.
GUERRA
Não foi muito difícil, então, para Chanel, durante a guerra, tornar-se amante do oficial de inteligência alemão Barão Hans Günther Von Dincklage, um personagem encantador que havia espionado a frota francesa no final da década de 1920 e que encontrava-se agradavelmente solteiro na Paris ocupada, tendo se divorciado prescientemente de sua esposa alemã meio judia, pouco antes da aprovação das Leis de Nuremberg.
A história de como Coco se tornou Chanel foi contada muitas vezes antes ao longo do último meio século. A história de como Chanel se metamorfoseou de uma mera “colaboradora horizontal” – à amante de um nazista – em uma verdadeira agente secreta alemã é menos conhecida.
Chanel trabalha primeiro para libertar seu sobrinho André Palasse de um campo de prisioneiros de guerra alemão, e depois procura usar a arianização das leis de propriedade dos nazistas para arrancar o controle de seu império de perfumes das mãos dos irmãos judeus Wertheimer.
No entanto, seu relato de sua única missão real para os alemães se trata de uma operação secreta em 1943 de codinome Modellhut (“chapéu de modelo”), na qual ela deveria usar seus contatos para enviar uma mensagem da SS a Winston Churchill, informando que vários líderes nazistas queriam romper com Adolf Hitler e negociar uma paz separada com a Inglaterra.
Apesar de suas atividades colaboracionistas indiscutíveis, e após um breve período de incerteza durante o qual ela foi questionada por um juiz francês, Chanel finalmente saiu praticamente impune após a guerra, mais uma vez usando suas artimanhas para se proteger com mais habilidade.
Coco Chanel era amante do poeta e partidário anti-nazista Pierre Reverdy, para quem entregou os feitos do barão Louis de Vaufreland Piscatory, tendo em vista a prisão de seu colaborador e parceiro de guerra. Chanel ainda pagou à família do ex-chefe nazista da inteligência da SS, general Walter Schellenberg, quando soube que o este se preparava para publicar suas memórias. Foi Schellenberg quem lhe deu a tarefa de “chapéu de modelo”.
Coco seduziu os homens em sua vida – sem falar nas inúmeras mulheres que ao longo das décadas procuraram se revestir de sua imagem.
Referências
Vaughan, Hal. Dormindo com o inimigo: a guerra secreta de Coco Chanel. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
Picardi, Justine. Coco Chanel: A vida e a lenda. Ed. Nova Fronteira. 2011.